terça-feira, 20 de novembro de 2012

Um novo romance em construção


Lembro-me perfeitamente
do dia em que a vi pela primeira vez.
Apaixonei-me.

Em seu rosto, uma mutilação.
Parte de sua orelha decepada ficava visível.
Em lugar do cabelo você tinha um lenço
florido a cobrir o alto de sua cabeça.
Nunca tentei imaginar
como você ficaria se tivesse cabelos.
Sempre preferi os lenços com estampa de flores.

Nenhuma outra mulher havia me atraído tanto quanto você.
Tendo entender porque.
E compreendo.

Você era imperfeita.
Linda, mas imperfeita.
Seu rosto era carregado de tragédias.
Bastava encará-la para poder identificar
Resquícios de uma tragédia.
Assim como eu, você trazia um selo de identificação.

Éramos monstros a sobreviverem
num mundo certinho demais, que sempre desprezei.
Eu te amei e você correspondeu o meu amor.

Uma pena que acabou.
Uma pena...
- mike sullivan -

terça-feira, 6 de novembro de 2012

ESCRITAS DA FINITUDE

Com certeza, o melhor livro que li este ano. "A passagem tensa dos corpos", de Carlos de Brito e Mello foi a grande surpresa de 2012.



Construído de forma original, com 156 capítulos curtos, A passagem tensa dos corpos trata de um tema consagrado, a morte, com uma abordagem e ambientação surpreendentes.
O narrador-personagem, figura indefinível e incorpórea, não é visto nem percebido por ninguém. Sua principal ocupação é percorrer cidades e registrar as mortes que encontra pelo caminho. Numa dessas localidades, há um morto insepulto, cuja família não parece disposta a velar ou enterrar. Como se nada tivesse acontecido, o cadáver é mantido amarrado à cadeira na mesa da sala, a esposa e a filha se ocupam dos preparativos para o casamento da menina, e o filho do morto permanece trancado no quarto.
Se a civilização se ergue sobre uma pilha de cadáveres soterrados, também a vida de cada um precisa da morte para se constituir. Diante da situação surreal testemunhada na casa, o narrador aos poucos se dá conta de que para existir de fato, necessita, ele mesmo, se apropriar de um dos corpos que registra.
Carlos de Brito e Mello lança mão de uma linguagem fragmentada e precisa para imprimir ao romance um andamento trepidante e acelerado. Ironia e humor negro bem medido também compõem esta narrativa sobre a morte e sua relação com a memória, a linguagem e o ofício de narrar.