quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Fernando Pessoa e sua poesia!!!

Nos últimos tempos venho me deliciando com as poesias de Fernando Pessoa. Ele é sem dúvida, o maior escritor da língua portuguesa. Fato essse facilmente notável em sua escrita poética cheia de beleza, simples literatura em complexa construção de frases que encantam a cada vez que se lê - coisa de mestre. Como exemplo, cito aqui Tabacaria, um dos meus poemas preferidos!
Que esses versos possam inspirar dias melhores em 2012!
Sucesso, saúde e muita paz a todos!


TABACARIA


Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua

A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo, como quem penso e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.

Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chava, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.

(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)

Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.

(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)

Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente

Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.

Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o deconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,

Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.

Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.

Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.

(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.

Álvaro de Campos, 15-1-1928

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Por que escrevo...

Por que escrevo?

...são tantos os motivos...

É quase como perguntar porque vivo.

Tão absurdo quanto.

Tão enlouquecedor quanto.

Tão envolvente e angustiante ao mesmo tempo.

Tão misterioso... Tão... Nem sei mais.

Escrevo para afugentar a dor do desamparo.

Escrevo para ter como companhia, além da solidão constante, a vida dos meus personagens.

Escrevo por paixão!

Enquanto crio, sinto distante o desespero de me tornar inútil.

Escrever é aquietar o espírito.

Escrever é transcender a alma

Libertá-la do aprisionamento físico.

Hoje, não consigo mais me ver longe dos livros, da arte...

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Você pode ser o autor de sua história?

No meu novo livro No Vale de Ossos Secos, publicado no mês passado, o protagonista da história se lança num objetivo fantástico de realizar três tarefas inusitadas – em sua mera avaliação – para tentar absorver da experiência algo novo. No livro essas tarefas são as seguintes: visitar pacientes com câncer, ir a um templo religioso e adentrar os portões de um cemitério. É claro que no meu livro, todas essas tarefas têm uma razão de existir já que elas têm uma ligação íntima com o passado do meu protagonista, Ruy Dantas.


E então eu lanço o desafio e abro esse espaço para que você possa compartilhar alguma experiência que realizou e trouxe mudanças, sejam elas quais forem. Às vezes um gesto simples, um olhar atento, um ouvido sensível faz toda a diferença. Sinta-se à vontade para escrever nos comentários. Em 2012, atendendo a um pedido da Diretora da Biblioteca Pública de Niterói, pretendo realizar uma conferência com aqueles que já leram o livro e debater coisas do gênero: até que ponto somos totalmente livres, o destino, o livre-arbítreo, a escolha, a atitude fundamental, a energia que lançamos em direção ao mundo, às pessoas e aquilo que se volta contra nós, que espécie de misticismo nos rodeia, quais os poderes concentrados em nossa mente capazes de provocar alterações. Seus comentários são fundamentais.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

O sucesso de MULHERES DE AREIA

Aproveitando a reprise, sinto-me na obrigação de render uma justa homenagem à Mulheres de Areia (escrita por Ivani Ribeiro), uma novela que considero a melhor de todos os tempos. Mulheres de Areia é especial porque representa, em minha opinião, o encerramento de uma era de ouro da teledramaturgia brasileira. Uma época de grandes interpretações, boas histórias. Podíamos ver, além de tudo, histórias originais. Dentre essas grandes obras se destacam Vale Tudo, Selva de Pedra, Tieta, Pedra sobre Pedra, Cambalacho, Ti-Ti-Ti, Fera Radical, O Dono do Mundo, Sexo dos Anjos, e tantas outras que poderia citar.


Mas quero chamar a atenção para o enorme sucesso de Mulheres de Areia que conseguiu altos picos de audiência no horário das seis. E a que se deveu todo esse sucesso? Aí vão alguns argumentos que justificam o merecido reconhecimento:

1 – Em primeiro lugar, a escolha da atriz certa foi essencial. Glória Pires foi capaz de interpretar com maestria o papel das irmãs gêmeas. Em alguns momentos a gente tem a certeza de que são duas atrizes, devido ao alto grau de diferenciação que Glória Pires consegue aplicar ao interpretar Ruth e Raquel. Lembrem-se que Glória Pires teve não apenas de representar dois papéis mas simplesmente quatro, pois quando Raquel está desaparecida no mar e todos pensam que ela morreu, Ruth se faz passar por ela e depois quando Raquel reaparece ela também finge se passar pela irmã em alguns momentos. Um detalhe interessante é que Raquel, a irmã má, chamou muito mais a atenção do público, apesar de todas as maldades praticadas. Ruth, que andou meio apagada durante os capítulos iniciais, só ganhou destaque quando teve de fingir que era a irmã.

2 – O enredo de Mulheres de Areia é uma originalidade para dar inveja a qualquer novelista dos dias atuais: duas irmãs gêmeas, diferentes em personalidade, caráter e ambições que acabam se tornando rivais quando Raquel, a irmã má, resolve roubar o namorado de Ruth, a irmã boazinha. Até aí vocês não devem estar vendo nada demais. Mas aí é que entra a genialidade de uma boa escritora. Já vimos muitas histórias de gêmeos, mas Ivani Ribeiro foi o diferencial ao criar uma história onde uma irmã viria a se passar pela outra. A montagem perfeita de Ivani Ribeiro fez com que toda a trama se desenvolvesse a partir da divisão dos acontecimentos em partes que chamam a atenção: primeiro Raquel se casa, apenas por ambição, com Marcos (Guilherme Fontes) que era o pretendente de sua irmã Ruth. Em seguida vem a destruição desse casamento com Raquel revelando sua verdadeira face: bebendo e fumando muito, saindo com outro homem e desafiando a todos na casa, inclusive Virgílio, seu “sogrinho”, como ela o costumava chamar. Temos então o acidente de barco, o desaparecimento de Raquel no mar e a artimanha de Da Lua ao colocar na mão de Ruth a aliança da irmã. Depois Ruth aceita se passar por Raquel para permanecer ao lado de Marcos. O ponto alto da novela vem logo após quando Raquel reaparece e promete se vingar de um por um, incluindo sua doce irmã Ruth. E por último temos o retorno definitivo de Raquel e o confronto final das irmãs. A trama é muito bem amarrada e Ivani Ribeiro soube conduzir com genialidade todos os capítulos da novela.

3 – Assim como um bom livro, uma boa novela tem que produzir personagens que ficarão para sempre marcados. Em Mulheres de Areia, temos além de Ruth e Raquel, Toinho da Lua, numa interpretação estupenda de Marcos Frota que até hoje ainda é lembrado por esse personagem. Um outro que gosto sempre de citar é o saudoso Raul Cortez na pele de Virgílio, um vilão carrasco e ao mesmo tempo cômico que é capaz de nos fazer rir apesar de todas as maldades. Os atores Sebastião Vasconcelos e Laura Cardoso também arrancaram aplausos interpretando Isaura e Floriano, os pais que se viam divididos entre as filhas, sendo Ruth a preferida do pai e Raquel a adorada pela mãe.

Não tenho dúvidas de que meu amor pela ficção e por escrever começou ao assistir novelas, aos seis anos de idade. Em 1993, alguns meses depois da morte de meu pai, eu me deliciava assistindo a Mulheres de Areia. Nessa época eu tinha apenas 13 anos e escrevi meu primeiro pequeno livro. Ivani Ribeiro me inspirou e me ajudou a decidir que um dia eu também queria escrever grandes histórias.

Invejo aqueles que tem a tarde livre para rever com saudade a rivalidade entre as irmãs gêmeas Ruth e Raquel. Para lembrar, postei um vídeo que representa tudo o que escrevi.