Recentemente li
no site do jornal Correio Braziliense que um grupo de poetas e escritores
promovem encontros para falar sobre a morte. A ideia é de Renato Fino, autor de
“Debaixo do céu do seu vestido”, que
batizou o evento como Noites Mortas. Uma vez por mês, o grupo se reúne com o objetivo de
falar da morte, fazer leitura de poemas, contos e crônicas ligados ao tema e
apresentar performances e intervenções.
Quem nunca sentiu angústia ao pensar na morte e no que
ela pode representar? Quem também nunca pensou em morrer para acabar com
a dor? Ainda que não saibamos nada sobre a morte e quais os benefícios (?) que
ela possa trazer, ainda reina em nosso imaginário uma espécie de sono
apaziguador que possa dar cabo de todo sofrimento, apesar de que, para nosso
inconsciente, somos todos imortais.
Há um velho clichê
que diz que a morte é a única certeza da vida. Mas essa definição é uma verdade
existencial inescapável. Portanto, fundamental. A consciência do fim é algo que
se impõe a cada um como destino individual e inevitável. Talvez por ser o
grande mistério de toda uma vida, a morte tem sido um tema recorrente na
história da literatura. Muitos autores, internacionais e nacionais, têm utilizado
a finitude humana para compor o drama principal de seus personagens.
Na literatura
nacional destaco dois jovens e promissores autores que vêm marcando espaço na
literatura contemporânea: André de Leones e Carlos de Brito e Mello que, em
2011, estiveram presente na nona edição da Festa Literária Internacional de
Paraty, numa mesa intitulada Escritas da
Finitude.
André de Leones,
vencedor do Prêmio Sesc de Literatura 2005 com o romance “Hoje está um dia morto”, destaca a influência da morte em suas
obras. Sua escrita constrói mundos em estágio terminal e parece contaminar-se
pelos dilemas existenciais que apresenta. Em seu livro mais recente, “Terra de casas vazias”, um ponto em
comum em todas as histórias que se entrelaçam, é o enfrentamento das perdas, os
processos de luto que a estas acompanham e a consciência de que enquanto
vivermos essas perdas serão constantes.
“A passagem tensa dos corpos” (livro
finalista dos prêmios São Paulo, Jabuti e Portugal Telecom em 2010), de Carlos
de Brito e Mello é, na minha opinião, um dos romances mais geniais de todos os
tempos. Absurdamente original o narrador desta história, que não tem sua origem
e constituição claramente definida, tem de ir percorrendo cidades de Minas
Gerais, colecionando registros de falecimentos, com o objetivo de readquirir
forma humana, utilizando como meio para discrição das mortes que encontra pelo
caminho a própria linguagem:
“Toda palavra
proferida ao redor da morte comporta, pelo menos, um fonema enlutado, e as
perturbações de fala são formas pelas quais morrer obseda a língua.”
Carlos de Brito
e Mello destaca que “apesar de tudo, narrar é a única opção que nos resta,
antes de sermos tomados por ela.”
A morte, como desespero universal, continuará
inspirando a literatura por ser, a priori,
um tema complexo, misterioso, que não pode ficar restrito ao campo das
religiões e da fé e que, irremediavelmente, afeta a todos.
De forma magistral, assim
discorre sobre a morte o psicanalista e filósofo Ernest Becker em seu livro “A negação da morte” (vencedor do prêmio
Pulitzer de 1974): “Como
deve ser doce abrir mão do colossal fardo de uma vida de autodomínio,
autoformação, relaxar a crispação com que a pessoa se agarra ao seu próprio
centro e ceder passivamente a um poder e a uma autoridade superiores, e que
alegria nessa rendição: o conforto, a confiança, o alívio no peito e nos ombros
da pessoa, a leveza do coração, a sensação de estar sustentado por algo maior,
menos falível. Com os seus problemas característicos, o homem é o único animal
que pode, muitas vezes de bom grado, abraçar o profundo sono da morte, mesmo
sabendo que isso significa o esquecimento.”
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